Ou: "Por que um cara-de-pau nunca se perde".
Modelos são importantes para a ciência porque é através deles que descrevemos o mundo que nos cerca e como esperamos que as coisas aconteçam; e são eles que mudamos quando as coisas não acontecem como esperávamos. Eu, por exemplo, achava que a Europa era um amontoado de pontos históricos com pessoas que tinham trocado seus corações por pedaços de gelo. No fim a realidade é que de fato qualquer banco de praça é potencialmente O Banco de Praça Onde Aconteceu Algo Durante a Segunda Guerra Mundial, mas eu estava errado sobre os corações das pessoas.
É claro, antes de mais nada, que tudo o que eu escrevo aqui baseia-se exclusivamente na minha visão pessoal das coisas. Você, leitor filósofo, pode inclusive nesse momento argumentar que pessoa nenhuma é capaz de escrever nada senão a partir da sua visão pessoal das coisas, mas aqui quero deixar explicitamente claro que tudo o que vier a seguir (e tudo o que veio antes também; basicamente tudo) é baseado no que eu, um cara com a minha idade e minha história de vida e minha personalidade e tudo o mais que for relevante para construir uma visão pessoal, tenho percebido aqui em Groningen, Reino dos Países Baixos, nesses quase três meses que tenho estado aqui. É o suficiente para conhecer uma cidade? Não. É o suficiente para conhecer e falar sobre as tradições, a cultura, os costumes de um povo que já era velho quando o Brasil foi colonizado por Portugal? Hell no. Mas a gente tenta mesmo assim, e quem não gostar que bote contra.
Quando eu cheguei aqui eu precisei de ajuda para grande parte das coisas. A máquina de lavar estava em holandês, culinária era uma arte ainda inexplorada por mim e no geral eu não sabia nem chegar no mercado sozinho. Mas, para minha sorte, o povo europeu (ok, eu só posso falar do pessoal da Holanda, e mais especificamente de Groningen, e ok, esse é um público bastante específico, uma vez que Groningen é uma cidade universitária e etc, etc, releia o parágrafo anterior e eu tentarei não transformar esse blog em uma selva de ressalvas) não é frio como eu imaginava.
Eles obviamente não vão intrometer-se em sua vida sem serem chamados, já que eles estarão muito bem envolvidos nos próprios objetivos e problemas.
No início eu achava até estranho como eu não recebia nenhum olhar desconfiado ou divertido nos bicicletódromos estacionamentos de bicicletas, enquanto eu tentava descobrir – e conseguia, depois de uns bons 15 minutos investigando – como funcionava o lock da bicicleta ou como diabos se fazia para estacioná-la na parte alta do bicicletódromo estacionamento de bicicletas. As pessoas simplesmente passavam por mim e iam fazer seja lá o que elas estavam indo fazer.
Acorrentar a bicicleta nesses lugares eu podia fazer sozinho, mas achar o caminho de volta pra casa, depois de uma tarde inteira de exploração dos bairros? Aí o buraco é mais embaixo. Quando não se tem ainda um celular com Google Maps, o que se tem que fazer é engolir a vergonha (se houvesse), encarar do alto da minha altura mediana os olhos indiferentes do holandês de altura normalmente não-mediana que estiver passando e mandar corajosamente o conhecido “Excuse me, do you speak english?”.
E aí veio a surpresa. Toda a vez que precisei de ajuda e pedi, a pessoa saiu totalmente do seu mundinho particular e me ajudou. Teve um senhor que andou uma quadra inteira comigo para ter certeza de que eu tinha entendido a sua explicação. Teve aquela mulher no mercado sobre a qual já falei que me escutou atentamente explicar-lhe como era aquela coisa de cozinha que eu estava procurando (alho). Uma vez a pessoa até desenhou num papel pra mim o caminho até o mercado. Eu senti que elas realmente queriam ajudar a resolver o meu problema logístico, fosse qual fosse; queriam dar suporte a um estudante longe de casa.
Provavelmente tem a ver com o fato de que as pessoas que me ajudaram não estavam em nenhum nível desconfiadas que eu poderia lhes assaltar, porque esse tipo de situação praticamente não existe na vida delas (o assalto, não a ajuda), mas não sei. Acredito que a coisa toda da gentileza gerar gentileza e a ideia de se viver em um lugar sem violência são dois conceitos que se relacionam fortemente. Vai saber, talvez ser legal com os outros seja uma coisa legal também.
(e não estou dizendo que gentileza não existe no Brasil, porque tem muito disso lá sim, mas acho que é mais apesar da violência, algo cultural forte mesmo)
Então, concluindo, tive que atualizar meu modelo sobre as pessoas da Europa. A gente se prepara para enfrentar todas as adversidades do mundo, mas acabamos surpreendidos mesmo é pelo contrário. Hoje em dia eu já tenho Google Maps no celular (e um tradutor também), mas quando há necessidade eu prefiro ainda perguntar pra uma pessoa aleatória na rua. Muito mais divertido!
Como parte das minhas tentativas de retornar toda a ajuda recebida, ajudei esse pobre homem a achar suas lentes de contato. Enxergar mal é f*da. |
Tot ziens!
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