quinta-feira, 18 de setembro de 2014

À la minuta

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A ideia quando eu primeiro pensei nesse blog não era torná-lo um blgo culinário. Mas as ideias mudam, e quando se tem alguma coisa importante ou pertinente para se compartilhar a gente vai lá e compartilha, mesmo quando é culinária. Que culinária possa ser algo importante ou pertinente é, de fato, uma das surpresas que eu tive durante esse intercâmbio. Mas vamos aos fatos, contra os quais não há argumentos.

Eu estava meio pra baixo nos últimos dias. Tenho lido bastante na internet que tristeza faz parte da vida, e que não é necessariamente algo ruim; às vezes é importante sentir-se triste. O problema no caso é quando não sabemos a razão da tristeza, daí é uma merda. Se tu sabe que o cheiro ruim vem de um vazamento de gás na cozinha, você vai lá e resolve o problema; mas o que acontece se você não perceber de onde vem o cheiro e tentar melhorar o ambiente acendendo uma vela com fragrância?

Enfim, eu estava meio pra baixo, e resolvi fazer um pouco de exercício físico e ver alguns lugares diferentes pra ver se ajudava. Peguei minha bicicleta favorita (porque agora eu tenho 3, nunca mais quero passar pela situação de ter a bicicleta roubada e ficar a pé) e pus o pé na estrada. A ideia era tentar chegar ao Mar do Norte no menor tempo possível. (Que fique registrado que embora tenham me dito que se leva de 1h30 a 2h para chegar lá a partir de Groningen, eu levei 1h15.) Cheguei lá, me espraiei na grama que cresce em cima do dique que protege a Holanda de uma eventual subida no nível do mar e passei algum tempo sozinho com meus pensamentos. Voltei.

Relaxando no fim do mundo. Estou em cima do dique, uma colina feita pelo homem que se estica praticamente infinito pros lados, e protege do mar. Impressionante.
Exercícios físicos e ver coisas novas me inspiram pra fazer mais coisas diferentes. E além disso eu estava com fome suficiente para comer uma vaca pela perna por causa de todo o esforço de pedalar os 25 quilômetros sempre tentando ir mais rápido. E de alguma forma a ida até o Mar do Norte e a coisa toda de passar um tempão sozinho me lembraram de quando eu era criança, brincando no pátio de casa e tal. A resposta lógica foi então fazer um prato que eu nunca tinha tentado fazer, e que é muito brasileiro apesar do nome francês(?): à la minuta.

No caminho para casa passei no supermercado e conversei com o açougueiro até estar convencido de que o bife que ele estava me vendendo era de fato o que a minha mãe costumava fazer quando eu era piá. E aqui um parênteses para o preço: dois bifinhos custaram 6 euros. O que dá mais ou menos 22 euros por quilo. Isso é 67 reais(!!!). Ou seja: eu não poderia de jeito nenhum errar alguma coisa e no fim ter que tocar a coisa toda fora. Por isso acionei os universitários.

Conversei com a minha mãe pelo Skype durante uns 15 minutos para que ela explicasse para mim e para a Iris - minha amiga da Espanha cuja assistência eu convoquei para diminuir a chance de fracasso e segundo a qual o Português da minha mãe é muito mais fácil de entender do que o meu - como é que se fazia a tal à la minuta. Instruções dadas, metemos a mão na massa.

Para quem estiver interessado na receita da minha mãe, segue a minha versão (dessa vez não tem chinesa rindo do fato de que eu janto sucrilhos, porque eu não janto mais sucrilhos; mas tem um argentino que empresta papel toalha e um indiano que aprova as batatas fritas):

Primeiro ponha em um prato os bifes que serão preparados. Se eles não tiverem sido batidos, faça o serviço. Pique (ou pica? Português é difícil mesmo pra falantes nativos) dois dentes de alho e tempere os bifes com o alho picado e ponha sal a gosto. Deixe os dois pedaços de vaca morta esperando a sua vez de novo.
Descasque as batatas e pique elas também, de forma que os pedaços fiquem um pouco mais finos (mas não muito!) do que um dedo mindinho não destroncado. Com as batatas prontas tu já pode botar o arroz pra cozinhar e o óleo na frigideira pra esquentar. Quando o óleo estiver quente, ponha as batatas lá e tente não deixar elas queimarem.
Em paralelo (cozinhar coisas em paralelo é uma habilidade recém adquirida, impensável um tempo atrás) ponha um pouquinho de óleo em outra panela, com uma pitada de açúcar pra dar cor. Ponha os bifes lá e fique virando eles de vez em quando, tomando todo o cuidado do mundo para que eles não queimem e tu tenha que vender um rim para comprar mais. Depois de uns 4~5 minutos (de acordo com o açougueiro) os bifes devem estar prontos. É hora de adicionar a meia cebola que você esqueceu de deixar cortada. Corta ela na velocidade da luz e acrescenta ao bife. Deixa a cebola trocar uma ideia com o bife e está pronto. A essa altura a batata frita já está no prato (devidamente coberto pelo papel toalha do argentino e devidamente aprovadas pelo indiano). O arroz também, ou talvez leve ainda mais alguns minutos.

Depois disso tudo, preparamos a mesa, tirei umas fotos porque estava bonito demais pra deixar passar, e começamos a comer como se comer fosse algo que nos mantem vivos.
Não sou de me gabar dos meus dotes culinários, porque a galinha frita e o arroz são fáceis, a massa com molho de tomate e galinha tem efeitos gastrointestinais indesejados e a lentilha tem por enquanto uma taxa de sucesso de 50%, mas dessa vez, com a ajuda das pessoas citadas, eu acertei. O prato ficou na minha opinião a duas pitadas de sal da perfeição culinária. Aquilo não foi uma refeição, foi uma experiência espiritual que transcende o paladar, foi uma viagem no tempo até os momentos tranquilos da minha infância em que o desenho acabou e o almoço começou, e subitamente estou à mesa com meu pai e minha mãe, é meio-dia, a luz entra pela janela refletida na parede de tijolos aparentes da escola ao lado da minha casa e filtrada pela cortina enxadrezada vermelha com bordas de tricô que minha mãe fez ela mesma, os azulejos da cozinha tem cara de infância também, um vento morno entra preguiçoso pela porta da área de serviço junto com a cachorrinha Tasmânia (coisa do meu pai, que gostava de dar nomes interessantes para os cachorros que achava na rua; tivemos também uma Pretória), ao fundo podemos ouvir o som alto da televisão da minha vó, sempre sintonizada no Silvio Santos ou no Raul Gil, a televisão e a minha vó, que já não escutava muito bem, e também escutamos as crianças correndo e brincando na escola, e o papagaio da vizinha falando que vai chamar o cachorro, e na mesa tem o arroz soltinho, o bife acebolado e a batata frita, crocante por fora e macia por dentro, e é tudo tão perfeito e tranquilo que eu até digo pra Iris que dá vontade de chorar. E subitamente estou de volta ao presente, o prato está limpo e eu estou com a sensação de quem acabou de ser transportado pra longe em pelo menos 4 dimensões.

Tomatinhos, vagem, arroz, batata frita e bife. Pra ser uma completa à la minuta ainda falta ovo frito e feijão, mas desse jeito já estava muito bom.
Possivelmente não poderei repetir o feito, porque a coisa toda é muito dependente do meu próprio estado de espírito. Só posso dizer que cozinhar não só é divertido como também às vezes chega a ser terapêutico.

Tot ziens!

PS: uma mensagem ao meu eu do passado: vai se ferrar com essa história de caldinho! O fato é que o suquinho da carne que tu gosta de botar no arroz não é uma coisa que depende de quem cozinha, é assunto pessoal da vaca e da panela, não tem muito o que se fazer a respeito. Dessa vez o caldo apareceu, mas como minha mãe fazia para ter aquelas quantidades luxuriantes de caldinho continua a ser um dos Mistérios Inescrutáveis da Minha Existência. Um abraço, Tu Do Futuro.

À la minuta - english

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At first the main idea for this blog wasn't to be a culinary blog. But ideas change, and when one has something important or relevant to share one doesn't care and shares it, even if it is about cooking. That culinary can be something important or relevant is, as a matter of fact, an idea that still amazes me, and was one of the many surprises of this year. But let's face the facts, against which there is no arguments.

I was feeling kind of blue in the past few days. I have read a lot on internet about sadness being part of life, and not necessarily a bad thing; sometimes it is important to feel sad. The problem is when we don't know the reason for the sadness - then it is a pain in the ass. If you know the bad smell you are feeling is a gas leak in the kitchen, you just have to go to the kitchen and end the leak; but what happens if you don't notice the source of the bad smell and tries to purify the air lighting a perfumed candle?

Anyway, I was feeling kind of blue, and decided to do some physical exercise and see some different places, in the hope that that would help to enlighten my mood. I took my favourite bike (because now I have 3, never ever again I want to be in the situation of having a bike stolen and being left on foot) and hit the road. The idea was to try to get to the North Sea in the shortest time possible. (For register sake: even though some people told me it would take almost 2h to get there, I got there in 1h15). I got there, found a comfortable spot in the grass atop the dyke protecting The Netherlands from an eventual rise in the sea level and spent some time alone with my thoughts. Then I came back.

Chilling in the end of the world. I am lying in the dyke, a huge man-made protection against the sea, stretching apparently forever in both directions. Very impressive.
Physical exercise and seeing different things inspire me to do more different things. And besides that, I was hungry enough to eat a cow by her leg (sorry, this makes much more sense in Portuguese) with what all the effort of pedalling the 25km and back always trying to go faster. And somehow going there and spending that time alone reminded me of the past, playing in the courtyard of my house and stuff. The logical answer was then making a dish I never tried before, which is very brazilian despite the name being kind of french: à la minuta.

On the way home I dropped by in the supermarket and talked to the butcher until I was completely convinced that beef he gave me was the same my mother used to cook when I was a child. And here a parenthesis about the price: two little pieces of beef costs 6 euros. That is more or less 22 euros by kg. This is R$67,00(!!!). In other words: I could not by any means screw anything up and in the end have to throw it all away. That is why I called the specialists.

I talked to my mom via Skype for 15 minutes so she could explain to me and to Iris - my friend from Spain whose assistance I requested in order to decrease the chance of failure and according to whom the Portuguese of my mother is much easier to understand than mine - how to make à la minuta. Instructions given, we started the actual work.

For those of you interested on my mother's receipt, it is as follows (and this time there is no chinese girl laughing of the fact that I eat cereal for dinner, because I don't do that anymore; there are, however, one argentinian guy who gives napkins and one indian guy who approves the french fries):

First of all put in a plate the beefs to be prepared. If they are not beaten up (to be softened), do yourself the job. Chop two cloves of garlic and spice the beefs with the chopped garlic as well with as much salt as you think is ok. Let both pieces of dead cow waiting in the plate.
Peel some potatoes off and chop them, in such a way the pieces are not too much smaller than a healthy littlefinger. After preparing the potatoes you can start cooking the rice and heating up the skillet. When the oil in the skillet is hot enough, put the chopped potatoes there taking care to not let them burn.
In paralel (paralel cooking is a very recent acquired skill) put a tad of oil in another pan, with a pinch of sugar (to give colour to the thing). Put the beefs in it and keep turning them, being very very careful so you don't have to sell your kidneys to buy more. After 4 to 5 minutes (according to the butcher) the beefs should be ready. It is time to add the half an onion you forgot to chop beforehand. You chop it at the speed of light and put it together with the beef. Let the onion have a good time with the beefs and then it is done. By now the french fries are already in the plate (properly covered with the napkin of the argentinian and properly approved by the indian). The rice too, or maybe it will take some more minutes.

After all that, we prepared the table, I took some pictures because it was too beautiful to miss the opportunity, and we started to eat as if eating were a thing that keeps us alive.
I don't usually boast about my cooking skills, because fried chicken and rice are easy, my pasta with chicken and tomato sauce has some unfortunate gastrointestinal side effects and my lentil has so far 50% success rate, but this time, with the help of the mentioned people, I did it right. The dish in my humble opinion was 2 salt pinches from culinary perfection. That was not a meal, that was a spiritual experience transcending palate, it was a time travel back to the peaceful times of my childhood, when the morning cartoon was over and I knew the lunch was about to start, and suddenly I am at table with my father and my mother, it is noon, the light enters through the window reflected in the brickwall of the school beside my house and filtered by the plaid curtains with knitted borders that my mother knitted herself, the tiles in the kitchen also feel like childhood, a warm wind lazily enters through the open door in the laundry following our dog Tasmania (she were named by my father, who liked exotic names; we also had another one named Pretoria), in the background it is possible to hear the high volume of the sound of my grandmother's television, perennially tuned on Silvio Santos or Raul Gil, the television and my grandmother, who at that time already couldn't hear very well, and also was possible to hear the children playing and running in the school, and the neighbour's parrot randomly shouting curses, and at the table there was the fluffy rice, the beef with onions and the french fries, crunchy outside and soft inside, and everything is so perfect and peaceful that I go as far as to tell Iris I am about to cry. And all of a sudden I am back to the present, the plate is empty and I have the sensation of having been transported very far in at least 4 dimensions.

Small tomatoes, the green thing that I don't know the name in english, rice, french fries, beef. To be a complete à la minuta still would be necessary fried eggs and black beans, but it was awesome like this anyway.
It is likely I won't be able to repeat the experience, because the whole thing depends on my state of mind. I can only say that cooking not only is funny, but also sometimes can be very therapeutic.

Tot ziens!

PS: a message to Me From The Past: fuck you with all this bullshit about the juice from the meat. The fact is that the juice you like to put over the rice is not something easy that depends on the person cooking, it is a personal matter between the cow and the pan, there is nothing much to be done about it. This time the juice was there, but how my mother made to have those luxuriant amounts of juice is still among the Inscrutable Mysteries of My Existence. Best regards, You In The Future.

domingo, 7 de setembro de 2014

About living and stuff

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It has been a while since last time I wrote something about this crazy year, and for various reasons, depending on which period we are talking about. At first, when I was on vacation, I simply would not know what to write about and even if I knew I would not be able to because that is not how my inspiration works. I need agitation to get ideas, and I need lack of time to get will enough to write. What leads me to the second reason: as soon as the vacation was over, everything started happening so fast that I couldn't at all stop and write. But now things are relatively calm and that's why I am here again.

Last week took place here the ESN Introduction Week, where the new international students that arrived for the next academic year are introduced to this little piece of heaven called Groningen. Who organizes it is the ESN (Erasmus Student Network) of Groningen, but as there are a lot of new students - this year we had 1200 (!), and it is said that this makes Groningen the city with the biggest introduction week of all Europe (!!) - they need help. And I, whose superpower is admittedly being totally INCAPABLE of not being around the things happening, enlisted myself to help.

The activities are planned basicly to know the city, play some sports and learn new things, but the main focus is to get to know people. The students are split in groups, and each group has two guides. In my case, I and Alex were the guides of the group #62. The week personifies (to "personify" it would have to be a person, what I should have used in this case?) the spirit of the exchange: to live fully. But, of course, that could mean anything, and that is why I am going to elongate myself on this subject.

For many times I tried to start a text trying to explain what has changed in my perception of what is "the best", of what is "preferable" when we are talking about living. Never denying a party or staying home to watch a movie? Even now, in this paragraph, which when arrives to your mind will be in the final version, I can say now that is being really difficult to write too.

It is hard to write because is not a simple matter. And whoever says it is, is lying. It is not simply a question of "being prepared for the future" vs. "enjoying the moment", how it was in grandma's time. It is not "responsible" vs. "irresponsible" either, or maybe it is a little...
It is more like allowing yourself to be spontaneous, of choosing whatever path will unleash more emotion and memory, of doing whatever you most want. It is a complete waste living a day that will not be remembered, and we still do that most of the time anyway. So maybe the right question is "what makes a day memorable?"

When I first came here, I thougt I would travel the entire Europe, that I would know all of the touristic points of the world, eat all traditional dishes and take selfies in front of every major statue. But the reality is different, the money is not endless, and one thing that I noticed in a trip I did to Belgium with some friends is that the important part of the phrase "a trip I did to Belgium with some friends" is not "a trip I did to Belgium" and actually is "with some friends". Every important moment I can remember I just can do so because of who were with me, and not because of where I was. And the traditional food anywhere in Europe, so far as I know, is kebab.

That doesn't mean that being with friends in Belgium is not better than being with friends at home, it depends... and oh, how this is so deliciously complicated.

I did not start this text intending to give any conclusions to this matter, and probably will take a huge amount of time until I figure something out. And after that I will still change my mind some times.

The fact is, whatever is the idea, last week personifies it (yes, it is strange to use personify here, but we've been through that already). I knew a lot of people, people nice a lot, got surprised by how the variety in a group contributes largely to the cohesion and success of the group (and someday I will write about that... I have my own matheological on that, and I strongly think they should create something like a sociodynamics, just like eletrodynamics, hidrodynamics, etc., and if someone know something about that, please let me know), took some different workshops, played some sports I didn't even knew what were about before. The week were for the new students, but I as a guide enjoyed it very much.

What I can say of positive is that discovering what I am trying to discover is difficult, but everything points out that once discovered, is easy to live by that. And is not necessary money, it doesn't have to be in some very different place. The world is full of interesting things, and lots of them are near us, wherever we are.

Unles you are in the middle of the Pacific Ocean. In this particular case, there is nothing interesting in a radius of many kilometers.

It is possible to find all kinds of crazy people in the world. In the picture, Group #62.

Our badass team of Lacrosse. We also played Floorball and Squash, none of which I knew a heck about; however, after five minutes into playing Squash, we were all talking business and discussig the Stock Market. Next step is to make business while playing golf.


Tot ziens!

As novidades e viver

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Já faz algum tempo que eu não escrevo nada sobre essa "nave louca" (BIAL, Pedro), e os motivos são diversos, dependendo do período. Primeiro, quando eu estava de férias, eu simplesmente não saberia sobre o quê e mesmo que soubesse não conseguiria escrever nada porque não é assim que a minha inspiração funciona. Eu preciso de agitação pra ter ideias, e preciso de falta de tempo para ter vontade. O que me leva ao segundo motivo: assim que as férias terminaram, tudo começou a acontecer tão depressa que eu não cheguei a ter tempo para escrever. Mas agora as coisas deram uma acalmada e por isso estou aqui.

Semana passada aconteceu a ESN Introduction Week, onde os estudantes internacionais que chegaram para o próximo ano letivo são apresentados a esse pequeno pedaço de paraíso chamado Groningen. Quem organiza é o ESN (Erasmus Student Network) de Groningen, mas como são muitos novos estudantes - esse ano tivemos 1200 (!), e dizem que isso faz de Groningen a cidade com a maior Introduction Week da Europa (!!) - eles precisam de ajuda. E eu, que reconhecidamente tenho o superpoder de ser fisicamente INCAPAZ de ficar longe do furdunço, me alistei para ajudar.

As atividades são basicamente para conhecer a cidade, praticar esportes e aprender coisas novas, mas o principal é conhecer gente. Os estudantes são divididos em grupos, e cada grupo tem dois guias (guides). No meu caso, eu e o Alex eramos os guides do grupo #62. A semana personifica (para personificar teria que ser uma pessoa, o que se diria nesse caso?) o espírito do intercâmbio: vivenciar o máximo. Mas é claro que "vivenciar o máximo" pode significar o que você quiser, por isso prolongar-me-ei no assunto (e nas mesóclises).

Por várias vezes tentei começar um texto tentando explicar o que mudou na minha percepção do que é "melhor", do que é "mais preferível" quando o assunto é viver. Nunca negar uma festa ou ficar em casa assistindo um filme? Mesmo agora esse parágrafo, que quando chegar à sua mente estará na versão final, posso dizer agora que está sendo bem difícil de escrever também.

É difícil de escrever por que não é uma coisa simples. E quem diz que é simples, mente. Não é simplesmente uma questão de "preparar-se para o amanhã" vs. "aproveitar o agora", como era nos tempos da vovó. Não é "certinho" vs. "irresponsável", mas também talvez seja um pouco...
É mais uma coisa de deixar-se ser espontaneo, de escolher o caminho que vai desencadear mais emoção e memória, de fazer o que desperta mais vontade. É um desperdício viver um dia que não será lembrado, e ainda assim nós fazemos isso na maior parte dos dias. Então talvez a pergunta certa seja "o que torna um dia memorável"? E a resposta também não é fácil.

Quando eu vim para cá, achava que ia viajar a Europa inteira, ia conhecer todos os pontos turísticos do mundo, comer todas comidas típicas e tirar selfies na frente de todas estátuas famosas. Mas a realidade é outra, o dinheiro não é infinito, e uma coisa que eu notei em uma viagem que eu fiz pra Bélgica com alguns amigos é que o que conta na frase "uma viagem que eu fiz pra Bélgica com alguns amigos" não é "uma viagem que eu fiz pra Bélgica" e sim "com alguns amigos". Todos os momentos importantes que eu lembro eram por causa de quem estava comigo, e não por causa de onde eu estava. E a comida típica em qualquer lugar da Europa, até onde eu sei, é o kebab mesmo.

Isso não significa que estar com os amigos na Bélgica não seja melhor que estar com os amigos em casa, mas é que depende... E ah, como isso é deliciosamente complicado.

Não iniciei esse texto pensando em dar alguma conclusão para o assunto, provavelmente vai demorar muito até que eu me decida por uma ideia. E depois posso mudar de ideia de novo.

O fato é que seja qual for a moral, a semana passada personifica (sim, é estranho, já passamos por isso) a dita moral. Conheci gente pra caramba, gente boa pra caramba, me surpreendi como a diversidade de um grupo contribui sobremaneira para a coesão e sucesso do grupo (e um dia ainda escreverei a respeito... tenho minhas ideias mateológicas a respeito, e acho muito que deveriam criar algo como uma sociodinâmica, assim como existe a eletrodinâmica, a hidrodinâmica, etc., se alguém souber algo a respeito me avise), participei de uns workshops diferentes, joguei uns esportes que eu nem sabia do que se tratavam. A semana era pros estudantes novos, mas mesmo eu como Guide curti horrores.

O que eu posso dizer de positivo é que descobrir o que estou tentando descobrir é difícil, mas parece que uma vez descoberto, é fácil viver de acordo. E não precisa de dinheiro, não precisa ser em um lugar muito diferente. O mundo está cheio de coisas interessantes, e várias delas estão perto de nós, independente de onde estejamos.

A menos que você esteja no meio do oceano Pacífico. Nesse caso não tem nada de interessante em um raio de vários quilômetros.

Tu encontra todo tipo de gente nesse mundo. Na foto, o grupo #62.

Time badass de Lacrosse. Jogamos também Floorball e Squash, nenhum dos quais eu fazia a menor ideia de como se jogava; no entanto, após cinco minutos de Squash já estávamos discutindo negócio e valores de ações. Próximo passo é fechar negócio jogando golfe.


Tot ziens!

domingo, 3 de agosto de 2014

Anatomy of an international student

// Para versão em português, clique aqui. //

A kind of creature that wanders around the streets of Groningen and of most universitary cities I have heard about, speaking loud during inconvenient time, ignoring local holidays and asking for help in english to random people in the city center, are the international students. Where do they live? What do they eat? How can they adminstrate the money in such a way that after all the drinking and partying they still have enough to buy bread, cheese and salami?

First of all, as is usual for me, it is good to highlight the fact that in everything there are a lot of sides, and no international student is like the others. But because of the unicity of its members, this community ends up having some general characteristics that, more or less, apply to all of its members. Except when they don't. You got the idea.
To understand this creature it is necessary to understand that they have lots of contradictions. Every international student is continuously searching for the new, the new knowledge, the new thing, the new experience, for that new sensation he or she never had. And is always spicing those things with the old: all the stuff they used to do in their countries, the food they ate, the kinds of places they went to. In the end, even the things they were already used to are different, because they are with different people, in a different place - in my case, in a different hemisphere.
The international student wants always to know more about their friends' countries, how is the culture there, how to pick up girls in that country and, most of all, how one can say f*ck you on theirs friends' native language.
They most probably are not going to just shut up and listen, of course, they are going to share all about their own country, and are going to have a very good time listening to their friends cursing each other without knowing what they are saying. I had a lot of help of the world in this, because with all the World Cup thing the Brazil became a frequent subject and finally more people know we speak Portuguese and less people com to me saying "Hola, buenos días muchacho!". I know most of my friends cities because of their Happy videos (videos singing and dancing the music Happy), and they know Porto Alegre because of the World Cup propaganda.

(my fellows from Novo Hamburgo, please don't hate me! I love my city, but there is not so much to say after I have already said a) Novo Hamburgo is 40km away from Porto Alegre, b) Jorge's Tire Shop is there, c) it was named after Hamburg, in Germany [then one brief explanation about the european colonization in the south of Brazil and why I don't "look brazilian"] and d) it is a quiet place where the Art moved to and the shoe's Fenac is our pride.)

Most of the international students, yet, don't turn down a party or at least a pre-drinking in the blue kitchen. I mean, except when the exams are getting close, because then everybody enters a state where the fuel is the coffee and the goal is to learn everything possible. Opinions will diverge about how close is close enough to despair, but everybody have to study some time.

Did I forget something? Yes or absolutely sure? Write on the comments what is missing :)

Tot ziens!

Brazilian international students: very loud subspecies, they are not timekeepers, and they are everywhere. On the picture, waiting for the train to come back from Amsterdam.

Anatomia de um estudante internacional

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Um tipo de bicho que circula aqui pelas ruas de Groningen e pelas ruas da maioria das cidades universitárias de que tenho ouvido falar, falando alto em momentos inconvenientes, ignorando feriados locais e pedindo ajuda em inglês para pessoas aleatórias no centro da cidade, são os estudantes internacionais. Onde vivem? Do que se alimentam? Como conseguem administrar o dinheiro de forma a, depois de toda a bebedeira e de todas as festas, ainda ter dinheiro para comprar pão, queijo e salame?

Primeiro de tudo, como é meu costume, convem ressaltar que em tudo há vários lados, e nenhum estudante internacional é como os outros. No entanto essa comunidade acaba, pela unicidade de seus elementos, criando características gerais que, em maior ou menor grau, se aplicam a todos os seus elementos. Exceto quando não se aplicam. Pegaram a ideia.
Para entender esse bicho é necessário entender que ele tem muitas contradições. Todo estudante internacional está continuamente procurando pelo novo, pela novidade, pela experiência nova, por aquela sensação que ainda não teve. E vive temperando essas coisas com o velho: tudo aquilo que fazia no país de origem, as comidas que comia, os tipos de lugares que ia. No fim, mesmo as coisas que já estava acostumado a fazer são diferentes, porque está com gente diferente, num lugar diferente - no meu caso, num hemisfério diferente.
O estudante internacional quer sempre saber mais sobre o país dos amigos, a cultura do país dos amigos, como se chega em garotas nas festas dos paises dos amigos e, mais do que tudo, como se manda alguém se f*der na língua materna dos amigos.
Ele não vai se aguentar e vai acabar compartilhando com os amigos da mesa tudo sobre o país dele, e vai se divertir muito vendo os outros se xingarem sem nem saberem o que estão falando. Eu tive bastante ajuda nesse sentido, porque graças a Copa o Brasil está na moda e finalmente mais pessoas sabem que o Brasil fala Português e menos pessoas chegam dizendo "Hola, buenos días muchacho!". Eu conheci a maioria das cidades dos meus amigos pelos vídeos que cada cidade fez usando a música Happy, e eles conheceram Porto Alegre pelo vídeo de propaganda da Copa mesmo.

(conterrâneos de Novo Hamburgo, não me odeiem! Amo minha cidade, mas tem pouco para se falar depois de dizer que a) ela fica a 40 quilômetros de Porto Alegre, b) é lá que fica a borracharia do Jorge, c) ela foi nomeada em homenagem a Hamburgo na Alemanha [então uma breve explicação da colonização europeia no sul do Brasil, e o porque de eu "não parecer brasileiro"] e d) é um recanto onde a Arte foi morar e a Fenac do calçado é o orgulho do lugar.)

A maioria dos estudantes internacionais, ainda, não dispensa uma festa ou no mínimo um pré-drinking na cozinha azul. Exceto quando os exames se aproximam, e todo mundo entra em um estado de estudo em que o combustível é o café e o objetivo é aprender tudo o que der. Opiniões vão variar quanto a quando é que se considera que um exame está próximo o suficiente, mas todo mundo acaba tendo que estudar alguma hora.

Deixei passar alguma coisa? Sim ou com certeza? Escreve nos comentários o que falta :)

Tot ziens!

Estudantes internacionais brasileiros: subespécie muito barulhenta, pouco pontual e que está em todos os lugares. Na foto, esperando o trem para voltar de Amsterdam.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Despedida

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Nós blogueiros buscamos originalidade nos nossos textos. Falar sobre assuntos que as pessoas não falam, ou pelo menos apresentar um ponto de vista ligeiramente (ou esquizofrenicamente) diferente do usual. É claro que isso nem sempre é possível. O motivo é que nós blogueiros somos todos humanos e passamos pelas coisas que pessoas humanas passam, e uma coisa que existe desde que o mundo é mundo (não me refiro à prostituição), e sobre a qual blogueiros falam desde que os blogueiros começaram a falar, é a despedida.

O suspende do parágrafo anterior é totalmente desnecessário uma vez que eu já entreguei no título a surpresa. Enfim.

O ano letivo aqui no hemisfério está terminando por esses dias, e consequentemente vários programas de intercâmbio estão acabando junto. E isso significa, na vida dos estudantes internacionais, que é hora de arrumar as coisas e começar a se despedir dos amigos. Como dito, existem milhares de textos a esse respeito internet afora, mas ainda assim... parece que não é o suficiente. O sentimento é maior do que isso.

Porque a cada vez que nos reunimos, "nós" é menos gente. A cada nova festa, alguém já não está presente, alguém já está de volta ao seu país e já está postando fotos com os amigos antigos, com as mães e pais alegres por ver que o filho ou filha, a despeito do esperado, não se transformou em um maconheiro. E mais forte do que isso é a consciência de estar fazendo várias coisas pela última vez.
A última vez que tomamos cerveja juntos. A última relaxada na chilling room. A última ida ao De Zolder com todo mundo junto reunido. A última vez que marcamos de nos encontrar na porta da frente em cinco minutos. A última vez que nos encontramos na porta da entrada 10 minutos atrasados. A última vez que te explicaram como é aquele palavrão em espanhol ou turco, e logo em seguida a última vez que você esqueceu completamente. A última vez que você assistiu a um jogo da Copa. A última vez que você deu um abraço.

Como eu vou ficar pelo próximo semestre por aqui, as pessoas falam "Mas Marcus, você vai conhecer outras pessoas em quem dar abraços". Evidentemente. Mas entre cem mil raposas é aquela que me cativou que interessa. Ir ao De Zolder pode, em si, ser uma experiência marcante, mas não chega aos pés da experiência de estar lá com amigos. Com gente que apesar da barreira da linguagem criou aqueles tais laços invisíveis que ficam na fotografia. Essa gente que tu vai olhar nos olhos, no momento derradeiro, e dizer aquele "adeus" misturado com "até logo", essa coisa louca de saber que a vida continua igual mas nós seguimos diferentes.
E talvez aí esteja a originalidade da coisa. Porque mesmo que isso aconteça o tempo todo com tantas pessoas, sempre parece que é a primeira vez que estamos sofrendo esse sofrimento bom de quem amou gente e não se arrepende.

Tot ziens!

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Title: Farewell

We, the bloggers, pursue originality in our texts. To talk about things people usually don't talk about, or at least to present a point of view slightly (or schizophrenically) different from what we are all used to. That is, of course, not always possible. The reason is that we bloggers are also human beings, and we have been through the same things that other human beings have, and one special thing that exists since the world is the world (and I am not talking about prostitution), and about what bloggers have been talking about since bloggers started talking, is the farewell.

All the suspense in the previous paragraph is pointless because I already have spoiled the surprise in the title. Anyway.

The academic year is coming to an end, and therefore a lot of exchange programmes are also being finished. And that means on the international students' lifes it is time to start packing things and saying goodbye to a lot of good friends. As I said, there are millions of texts about that on the internet, but even so... it seems to me that is not enough. The feeling is way bigger than that.

Because everytime we gather, "we" are less persons. Each new party, someone more is missing, someone is already back to his/her country and is already posting joyful photos with their old friends, with moms and dads happy to see that against all odds their babies have not turned into potheads. And stronger than that is the conscious of having a lot of "last times".
The last time we drink a beer together. The last relaxed moment in the chilling room. The last reggae session in De Zolder with everybody there. The last time we say we are going to meet at the entrance gate in five minutos. The last time we get there ten minutes late. The last time someone explained to you how to say that specific bad word in spanish or turkish. The last time you forgot completelly how that word was. The last time you watched a World Cup match. The last time you hugged.

As I am staying for the next semester, people say "But Marcus, you will meet other people to hug". Evidently. But among one hundred thousand foxes, only those who captivated me are important. Going to De Zolder might be, per se, an interesting experience, but does not come close to the experience of being there with your friends. With people that despite all the language difficulties created all those invisible connections. Those people you are going to look deep in the eyes and say that "goodbye" mixed with "see you soon", that crazy thing of knowing that life keeps going just the same, but we all go different.
And probably there is the originality of this thing. Because even though that happens all the time with so many people, it always feels like the first time we are suffering that very good kind of suffering, the suffering of those people who loved so hard and do not regret.

Tot ziens!


Durante uma das festas de despedida. Até a polícia compareceu! // During one our farewell parties. Even the police came!
Porque nunca será o último selfie! // Because there is not such a thing as "the last selfie"
Até minha bike disse adeus. Foi roubada segunda-feira de madrugada. Fica aqui o registro do fim de um dos meus relacionamentos amorosos mais longos e sinceros. // Even my bike said goodbye. She was stolen last Monday. Here the record of the end of one of my longest and most sincere love relationships.


domingo, 1 de junho de 2014

Frisbee

/* for english version, scroll down */

      Sei que tinha prometido que não usaria esse blog como diário, e se não é a primeira vez que digo isso talvez também tenha prometido que nunca mais pediria desculpa por usar o blog como diário mesmo tendo prometido o contrário. Exposta minha consciência do fato, e do fato sobre o fato, tenho que dizer que alguns episódios não podem ficar sem serem narrados, por inúteis e sem importância que pareçam, porque pra mim foram significativos. Um desses é o causo do frisbee preso na árvore.
      Há três semanas fomos eu e uns amigos curtir um tempo bom no Stadspark. Lá é tipo a Redenção de Porto Alegre, só que menos movimentado. Achamos uma clareira para estacionar as bicicletas e começamos a jogar o frisbee que compramos no caminho. Não é bem um frisbee, os puristas poderiam dizer, uma vez que é daqueles furados no meio, uma espécie de disco - se for permitido a analogia nerd, como a coisa em questão é amarela, é exatamente como um anel de força do Sonic.
      Pois bem, todos sabem que a cautela e a precaução em quase todo tipo de atividade conforme passa o tempo dão lugar a seus primos feios descuido e experimentação irresponsável. E por causa disso o frisbee, entre uma jogada e outra, acabou indo parar numa árvore.
      Antes de prosseguir na narrativa, acredito ser relevante uma contextualização psicológica.
      Este que vos fala nasceu da terceira gestação de um casal que queria muito ter um filho. Por motivos de saúde, as duas gestações anteriores não tinham dado certo. Talvez por isso, acabei sendo super protegido pelos meus pais. Então eu brinquei muito na areia, me sujei muito, mas nunca me deixaram fazer nada muito perigoso, como andar em qualquer brinquedo de parque temático que não seja o carro-choque ou subir numa árvore.
      E daí vem o fato seguinte. Juntei toda minha coragem e vontade de preencher aquela falha na minha criação, e subi na árvore. Nada muito espetacular, é claro, no segundo galho eu já conseguia balançar o lugar onde o frisbee se enfiou e consegui derrubá-lo. O placar, então, estava Nós 1 x 0 Frisbee.
      Esse não era o causo inteiro, a história não termina por aí.
      Uma semana depois, repetimos a dose, agora com barbecue e mais amigos. De novo, o tempo passou e com ele a cautela, e quando nos demos por conta o frisbee estava em cima de uma árvore (outra) novamente. Dessa vez muito mais alta, totalmente fora de cogitação subir até lá em cima. Isso era um domingo. Ficamos por lá até altas horas do fim de tarde (tipo 20h, sol alto ainda: esses meridianos acabam com minha noção de tempo), tocando galhos a ver se derrubávamos o dito, e nada. Nós 1 x 1 Frisbee.
      No dia seguinte, e no dia seguinte àquele, voltamos ao parque mas sem sucesso. Se pensaria que num lugar plano como os Países Baixos o vento é forte, mas aparentemente isso só é verdade quando o vento é contra e você já está cansado de pedalar. Fizemos mais algumas visitas, em uma delas um casal de holandeses inclusive me ajudou a atirar pedaços de árvore morta na árvore viva, mas mesmo eles tendo uma pontaria muito melhor do que a minha, não tivemos sucesso. O placar, a essa altura, já estava em Nós 1 x 4 Frisbee.
      Evidentemente cada vez mais derrotados, demos um tempo ao frisbee. Fomos cuidar das nossas vidas. Mas uma sequência de eventos me deu uma injeção gratuita de motivação. Resolvi uma tarefa de Program Correctness muito antes do prazo, fomos ao show do Tropkillaz no Haarlem, ganhamos um monte de pontos no FourSquare em função disso, terminei de ler uma biografia do Paul Erdös, joguei malabares no parque; essa sequência de êxitos me deu gás para tentar o próximo. Me armei agora de corda de varal e fui-me pro parque.
      O café e a persistência foram vitais para o sucesso da operação, tanto quanto a corda. Por uma hora, fiquei arremessando um toco enrolado na corda de varal na árvore, tentando enganchar o toco de forma a balançar o galho do frisbee. Desenvolvi praticamente uma ciência da recuperação de brinquedos voadores, tudo calculado para aumentar a precisão dos lançamentos e diminuir o dano à pobre árvore. Em determinado momento derrubei o frisbee uns 3 metros. Onde ele estava agora seria mais difícil de alcançar com a técnica da corda, a luz do dia já se esvaía, e a situação desesperada pedia medidas desesperadas. Pus-me a escalar a árvore.
      Eu, o garoto certinho que nunca quebrou um osso na vida, dependurado numa árvore a pelo menos 6 metros de altura tentando recuperar um frisbee perdido. Não ousaria ir mais alto, mas o frisbee ainda se encontrava fora do alcance da minha envergadura de 1,70. Mas, como que por um lapso de generosidade do acaso, bem ao meu lado à distância de uma esticada de braço havia um galho caído que usei para pescar o maldito frisbee. Momentos de tensão se passaram enquanto eu passava o brinquedo da árvore para o chão, mas quando vi que o frisbee estava finalmente a salvo no chão, no background da minha mente tocava a música de triunfo do Airton Senna (pa-pa-paaa, pa-pa-paaa...). Desci da árvore ao som de aplausos imaginários.

      É que chega uma hora na vida do cara que ele tem que decidir se é homem ou se é rato. Daria para traçar paralelos com outros aspectos da Vida e do Universo, abstrair a coisa toda para um cara fazendo coisas que não está acostumado a fazer, se permitindo a ir além da zona de conforto, mas acho que vou me manter no bom e velho Natureza versus Homem. Homem versus Frisbee.

      Eu estou todo lanhado, todo estrunchado de ficar tocando pesos na árvore, mas dane-se, eu recuperei o frisbee.

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      I know I have promised I would not use this blog as a diary, and if this is not the first time I am saying this probably I also have promised I would never again apologize about using the blog as a diary even having promised otherwise. Having exposed my knowledge of this fact, and the fact about the fact, I must say that some episodes simply can't go without being narrated and shared, however useless and unimportant they may seem, because to me they were important. One of these episodes is the one about the frisbee that got stuck in the tree.
      Three weeks ago I and some friends went enjoying the good weather in Stadspark. This place is like the Redenção in Porto Alegre, but with less people. We found a glade to park our bikes and started playing with a frisbee we bought on the way there. It is not actually a frisbee, the purists might say, it is one of those with a hole in it, some sort of disc - if the nerd analogies are allowed, as the thing is yellow, it looked exactly like a Sonic's power ring.
      Well, everybody knows that care and caution in almost any activity as times goes by give place to their ugly cousins neglect and irresponsible experimentation. And because of that the frisbee end up in a tree.
      Before proceeding to the rest of the narrative, I believe is relevant some psychological contextualization.
      I was born the third pregnancy of a couple that wanted very bad a baby. Due to health issues, the first two pregnancies did not worked out. Maybe for that, I was raised almost in a bubble. Yes, I played in the sand, got dirty a lot, but never did anything that was by any means dangerous, like going in any theme park toy that was not the bumper car (is it called like that in english?) or climbing a tree.
      And then it comes to the next fact. I gathered all the nerve and will to fulfill that gap in my childhood, and climbed the tree. Nothing too spectacular, of course, in the second branch I stepped on I already could swing the branch where the frisbee was stuck and I could manage to get it. The score, then, was We 1 x 0 Frisbee.
      This was not the whole history, it doesn't end there.
      One week later we repeated everything, now with a barbecue and more friends. Again, time passed and with it the caution, next thing we know is that the frisbee is stuck again to (another) tree. This time much higher, totally impossible to climb there. It was a sunday. We stayed there until the wee hours (like 8pm, high sun still: this meridian thing is too much for my time notion), throwing branches trying to get the frisbee to fall, but nothing. We 1 x 1 Frisbee.
      The day after, and the day after that, we came back to the park but again with no success. One could think that in a place flat like the Netherlands the wind is strong, but apparently it is so only when is against you and you are tired of riding your bike. We made some further visits, in one of them a dutch couple even tried to helpe me throw dead tree pieces in the alive tree, but even them having much better aiming skills than I do, we did not succeeded. The score to that time was already like We 1 x 4 Frisbee.
      Evidently (increasingly) losing, we gave it some time. We went taking care of our lives. But a sequence of events injected me the motivation I was lacking. I solved a Program Correctness task much before the due date, we went to Tropkillaz show in the Haarlem, we got a lot of FourSquare points because of that, I finished reading a Paul Erdös' biography, I juggled in the park; this hits sequence gave me the urge to try the next. I drank a coffee and armed myself with a rope and went straight to the park.
      The coffee and the persistence were essential for the success of the operation, as much as the rope. For about one hour, I kept throwing at the tree a stick tied to the rope, trying to hook the tree in such a way I could swing the branch where the frisbee was this time. I developed pratically a science of retrieving flying toys, everything calculated to maximize the precision of the throws and minimize the damage to the poor tree. At some moment I made the frisbee fall for 3 meters. Where it was now would make much harder to get to it using the rope technique, I was running out of daylight, and the desperate situation was asking for a desperate measure. I got myself climbing the tree.
      I, the straight-laced kid who never broke a bone in his entire life, hanging from a tree at at least 6 meters from the ground trying to get back the lost frisbee. I would not dare to go any higher, but the frisbee was still out of my 170cm range. But, as a surprise generosity of chance, right beside me at the distance of a stretched arm was a broken branch that I used to fish the damned frisbee. Moments of pressure went by as I was trying to take the frisbee from the tree to the ground, but when I saw the frisbee finally laying on the grass I heard, in the backgroung of my mind, the triumph song of Airton Senna (pa-pa-paaa, pa-pa-paaa...). I descended from the tree with the sound of imaginary applauses.

      It comes a time to a guy's life when he has to decide whether he's a man or he's a mouse. I could trace numerous parallels with other aspects of Life and Universe, abstract everything to a guy who doing new things he is not used to do, allowing himself to go beyond his comfortable limits, but I think this time I am just going to keep to the old and good Nature versus Man. Man versus Frisbee.

      I am all scratched, whacked from throwing things at the tree, but what the hell, I got the frisbee back.

Tot ziens!

Para olhos treinados. // For trained eyes.

Não tem problema páreo pra persistência ou pra teimosia. // There is no problem too hard for persistence and stubborness.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Koningsdag

/* for english version, scroll down */

      Escrever tem alguns desafios secretos que o escritor enfrenta sozinho. O texto precisa ser coerente, de preferência com ideias que se encadeiam e complementam naturalmente. A introdução, no entanto, tem ainda a peculiaridade de ter que conectar o Nada ao assunto de que o escritor quer tratar. Entre outras coisas, é por isso que esse post vai falar do Koningsdag.
      Para aqueles que não sabem o que é o Koningsdag, como eu não sabia antes de vir pra cá, a ideia básica é o que segue: era uma vez o dia do aniversário de uma princesa, que em algum momento virou festa nacional (o dia, não a princesa) e mais tarde virou rainha (a princesa, não o dia) e portanto (o dia) recebeu o nome de Koninginnedag (Dia da Rainha). As sucessoras da rainha ao trono mantiveram a data, que continuou tendo o intuito de comemorar o aniversário da rainha. Isso até o ano passado, quando a rainha Wilhelmina abdicou do trono em favor do filho, Willem-Alexander. Logo, 2014 foi o primeiro ano que teve o Koningsdag (Dia do Rei).
      O Koningsdag é o dia em que teoricamente os holandeses celebram o fato de terem um rei, bebendo à sua saúde. Na prática, é o dia em que os holandeses lembram da existência do rei e eles e todos os imigrantes que porventura estão aqui ou que vieram aqui especialmente pela festa bebem à saúde do rei, da rainha, do bispo, do cavalo, da torre e até a de cada um dos 8 peões.
      Para isso, especialmente nesta data é permitido beber bebidas alcoólicas na rua (sim: o país que permite o uso de maconha e de alguns tipos de cogumelos não permite o uso de álcool em vias públicas) e várias tendas as vendendo são montadas na rua. Outra exceção é feita em relação à venda de qualquer tipo de produto: qualquer um pode ir para a rua vender o que quiser, sem precisar de licença para abrir a banquinha. As pessoas que querem fazer isso geralmente se reúnem no mesmo lugar, uma espécie de camelódromo improvisado, e alegremente celebram a vida do rei, a liberdade, e o lucro - principalmente o último.
      Todas cidades da Holanda tem alguma festividade marcada para o dia. Aqui em Groningen foram montados palcos para bandas no Vismarkt e no Grote Markt; entre os dois havia ainda um menor em que só tocavam DJ's. Ouvi falar de outras estruturas no resto da cidade, mas dessas não participei.
      Na verdade, por causa das tendas de bebidas e das bandas, a festa toda soou para mim como um Kerb de Estância Velha anabolizado (Kerb é um tipo de festa que acontece em algumas cidades do sul do Brasil com forte influência germânica), inclusive as músicas! Tocou bastante música de bandinha, só que em holandês.
      Nas semanas que antecederam o Koningsdag, também, a cidade toda se enfeitou pra ver a banda passar e criaram promoções com as ideias recorrentes de "seja um rei!", nas lojas de artigos masculinos, "escolha seu próprio rei!" nas lojas de artigos femininos, e "Feliz Páscoa!" nas coffeeshops (risos). O que não mudava, entre todas as coisas, era que tudo era laranja. Afinal, o laranja é a cor nacional, é a cor da seleção holandesa, é a cor do meu banco daqui, da minha cozinha, é a cor da barba do Van Gogh, é a cor daquela fruta cítrica que vai muito bem com um shot de Southern Comfort e, ademais, é a cor da insanidade.

      Dizem que o Carnaval do Brasil é a maior festa de rua do mundo, mas depois do Koningsdag fiquei em dúvida. Aqui em Groningen já foi sensacional, mesmo com chuva a praça estava cheia; em Amsterdam deve com certeza ser sido coisa de outro planeta.

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      Writing has some challenges that the writer has to deal with alone. The text must have coherence, preferably with ideas that chain and complement each other naturally. The introduction, however, has yet another peculiarity that is having to connect the Nothing to the subject of which the writer wants to write about. Among other things, that's why this post is going to address the Koningsdag.
      To those who doesn't know what the heck is the Koningsdag, the way I didn't know before getting here, the basic idea is as follows: once upon a time there was a pricess' birthday, that at some moment became a national party (the birthday, not the princess), and later when she became a queen (the princess, not the day) and therefore (the day) received the name Koninginnedag (Queen's Day). The queen throne's successor queens (does this phrase make any sense?) kept the date, which continued having the purpose of observing the queen's birthdate. Until last year, when the Queen Wilhelmina abdicated the throne in favour of her son, Willem-Alexander. Therefore, 2014 was the first year ever to have a Koningsdag (King's Day).
      The Koningsdag is the day in which theoretically dutch people celebrate the fact they have a king, drinking to his royal health. On practice, though, it's the day in which dutch people remember of the existence of the king and they and the immigrants that perchance are in Netherlands or that specially came here for the party drink to the king's health, the queen's, the bishop's, the knight's, the rook's and even to health of each one of the 8 pawns.
      For that, specially on this date it is allowed to drink alcoholic beverages in the streets (yes: the mushroom's and weed's use allowing country also does not allow to drink alcohol in the streets, shocking huh?) and many stands selling it are assembled in the sidewalks. Another exception is made relating to any other kind of good: anyone may go to the streets and sell whatever they want to, no need to have a license or something for that. The people that wants to do that usually gather in some sort of an impromptu "camelodromo" (very famous places in Brazil, where all kinds of crap are sold), and joyfully celebrate the king's life, the freedom, and the profit - specially the last one.
      Every city in the Netherlands have something prepared for this day. Here in Groningen were set up stages for bands at Vismarkt and Grote Markt; between them there was another one, smaller, just for DJ's. I've heard about other things going on on the rest of the city, but these ones I didn't participate of.
      Actually, because of all the drinking tents and bands, the party itself resembles to Estancia Velha's Kerb (Kerb is a kind of festival that takes place in some southern brazilian cities with a strong germanic culture), even the songs! They played a lot of the so-called (called so by us, brazilian people) "bandinha" music, but in dutch, of course.
      In the weeks preceding the Koningsdag, also, the whole city got adorned and were created a lot of sales with the recurring ideas of "be a king!", on the men article shops, "choose your own king!", on the women article shops, and "Happy Easter!" on the coffeeshops (jk). What was everywhere, though, was the orange color. After all, orange is the national color, is the color of the dutch football team, of the bank I use here, my kitchen's color, is the color of Van Gogh's beard, is the color of that citric fruit that matches perfectly a shot of Southern Comfort and, moreover, it's the color of insanity.

      They say Brazilian Carnival is the biggest street party in the world, but after this Koningsdag I got skeptic about that. Here in Groningen it was already awesome, the square was crowded even though was raining; in Amsterdam it must have been unbelievable.

Pronto pra sair, mas não tenho calça laranja. // Ready to go, but I don't have orange pants.

Time dos Malitos, só o pessoal são e sério da Albertine, mais agregados. // Malitos Team, just sane and serious people from Albertine plus some friends.

Em outro ponto da festa, o Time da Zuera. Porque brasileiro é foda.  // In another point of the party, the Zuera's Team. Because brazilian people are fucked up.
Tot ziens!

terça-feira, 22 de abril de 2014

Revendo conceitos

Ou: "Por que um cara-de-pau nunca se perde".

    Modelos são importantes para a ciência porque é através deles que descrevemos o mundo que nos cerca e como esperamos que as coisas aconteçam; e são eles que mudamos quando as coisas não acontecem como esperávamos. Eu, por exemplo, achava que a Europa era um amontoado de pontos históricos com pessoas que tinham trocado seus corações por pedaços de gelo. No fim a realidade é que de fato qualquer banco de praça é potencialmente O Banco de Praça Onde Aconteceu Algo Durante a Segunda Guerra Mundial, mas eu estava errado sobre os corações das pessoas.

    É claro, antes de mais nada, que tudo o que eu escrevo aqui baseia-se exclusivamente na minha visão pessoal das coisas. Você, leitor filósofo, pode inclusive nesse momento argumentar que pessoa nenhuma é capaz de escrever nada senão a partir da sua visão pessoal das coisas, mas aqui quero deixar explicitamente claro que tudo o que vier a seguir (e tudo o que veio antes também; basicamente tudo) é baseado no que eu, um cara com a minha idade e minha história de vida e minha personalidade e tudo o mais que for relevante para construir uma visão pessoal, tenho percebido aqui em Groningen, Reino dos Países Baixos, nesses quase três meses que tenho estado aqui. É o suficiente para conhecer uma cidade? Não. É o suficiente para conhecer e falar sobre as tradições, a cultura, os costumes de um povo que já era velho quando o Brasil foi colonizado por Portugal? Hell no. Mas a gente tenta mesmo assim, e quem não gostar que bote contra.

    Quando eu cheguei aqui eu precisei de ajuda para grande parte das coisas. A máquina de lavar estava em holandês, culinária era uma arte ainda inexplorada por mim e no geral eu não sabia nem chegar no mercado sozinho. Mas, para minha sorte, o povo europeu (ok, eu só posso falar do pessoal da Holanda, e mais especificamente de Groningen, e ok, esse é um público bastante específico, uma vez que Groningen é uma cidade universitária e etc, etc, releia o parágrafo anterior e eu tentarei não transformar esse blog em uma selva de ressalvas) não é frio como eu imaginava.
    Eles obviamente não vão intrometer-se em sua vida sem serem chamados, já que eles estarão muito bem envolvidos nos próprios objetivos e problemas.
    No início eu achava até estranho como eu não recebia nenhum olhar desconfiado ou divertido nos bicicletódromos estacionamentos de bicicletas, enquanto eu tentava descobrir – e conseguia, depois de uns bons 15 minutos investigando – como funcionava o lock da bicicleta ou como diabos se fazia para estacioná-la na parte alta do bicicletódromo estacionamento de bicicletas. As pessoas simplesmente passavam por mim e iam fazer seja lá o que elas estavam indo fazer.
    Acorrentar a bicicleta nesses lugares eu podia fazer sozinho, mas achar o caminho de volta pra casa, depois de uma tarde inteira de exploração dos bairros? Aí o buraco é mais embaixo. Quando não se tem ainda um celular com Google Maps, o que se tem que fazer é engolir a vergonha (se houvesse), encarar do alto da minha altura mediana os olhos indiferentes do holandês de altura normalmente não-mediana que estiver passando e mandar corajosamente o conhecido “Excuse me, do you speak english?”.
    E aí veio a surpresa. Toda a vez que precisei de ajuda e pedi, a pessoa saiu totalmente do seu mundinho particular e me ajudou. Teve um senhor que andou uma quadra inteira comigo para ter certeza de que eu tinha entendido a sua explicação. Teve aquela mulher no mercado sobre a qual já falei que me escutou atentamente explicar-lhe como era aquela coisa de cozinha que eu estava procurando (alho). Uma vez a pessoa até desenhou num papel pra mim o caminho até o mercado. Eu senti que elas realmente queriam ajudar a resolver o meu problema logístico, fosse qual fosse; queriam dar suporte a um estudante longe de casa.

    Provavelmente tem a ver com o fato de que as pessoas que me ajudaram não estavam em nenhum nível desconfiadas que eu poderia lhes assaltar, porque esse tipo de situação praticamente não existe na vida delas (o assalto, não a ajuda), mas não sei. Acredito que a coisa toda da gentileza gerar gentileza e a ideia de se viver em um lugar sem violência são dois conceitos que se relacionam fortemente. Vai saber, talvez ser legal com os outros seja uma coisa legal também.

    (e não estou dizendo que gentileza não existe no Brasil, porque tem muito disso lá sim, mas acho que é mais apesar da violência, algo cultural forte mesmo)

    Então, concluindo, tive que atualizar meu modelo sobre as pessoas da Europa. A gente se prepara para enfrentar todas as adversidades do mundo, mas acabamos surpreendidos mesmo é pelo contrário. Hoje em dia eu já tenho Google Maps no celular (e um tradutor também), mas quando há necessidade eu prefiro ainda perguntar pra uma pessoa aleatória na rua. Muito mais divertido!


Como parte das minhas tentativas de retornar toda a ajuda recebida, ajudei esse pobre homem a achar suas lentes de contato. Enxergar mal é f*da.
Holandeses são na verdade muito amigáveis. Rick, o senhor de 10 anos que está comigo na foto, deixou inclusive que eu lhe fizesse carinho atrás da orelha e na barriga. Eu não falar holandês não foi um problema.


Tot ziens!

domingo, 30 de março de 2014

O Post Em Que o Marcus Deixa Claro Que Não Veio Pra Holanda Só Para Beber

/* pergunta para pensar enquanto lê o texto, especialmente voltada para os amigos artistas e curiosos: quantos pontos de fuga pode ter um desenho com perspectiva? */

      Aqui na Rijksuniversitei Groningen (apenas RUG, para os íntimos) o ano letivo é dividido em dois semestres e cada semestre é dividido em dois períodos. A pessoa se matricula em cada período em cadeiras diferentes. Um ponto positivo é que é possível ser muito mais focado no que se está fazendo, e um ponto negativo é que se não houver organização tu acaba se metendo em uma corrida caótica louca contra o relógio.
      Como chegamos um pouco atrasados por causa do visto, uma das disciplinas em que estávamos matriculados nos "recusou", uma vez que os grupos foram definidos no primeiro dia de aula e não estávamos lá para isso. O professor não teve nem pena, nos disse com a simplicidade de uma facada que não seria possível que acompanhássemos as aulas.
      Mas para cada período nos matriculamos em duas cadeiras, como acordado com a CAPES. A cadeira desse período que não recusou nossa participação foi Introdução à Computação Gráfica. Pretendo não aborrecê-los com os detalhes, só o suficiente para mostrar que apesar de parecer que é só desenhar bolas, na real não é só desenhar bolas.
      A cadeira segue o padrão de toda semana ter uma aula e uma sessão de laboratório. Em cada sessão de laboratório é lançada uma proposta de trabalho que deve ser entregue até a próxima sessão de laboratório e feita em dupla. No total foram 6 trabalhos nesse período.
      Três destes trabalhos foram baseados em OpenGL, que pessoalmente eu ainda não aprendi a gostar, mas é extremamente útil e dá resultados que em geral são no mínimo tão bons quanto os gráficos de Counter Strike. Os outros três trabalhos são implementar por partes um Raytracer, um approach de gerar imagens que simula (prepare-se para ser mindblown) os fótons e suas interações com os objetos na cena e o olho do observador. Parece complicado e na verdade é um pouco mesmo. Eu estaria meio ferrado se tivesse que fazer isso sozinho; toda a programação envolvida é bem avançada para mim, mas tenho muita sorte do Alex, minha dupla de trabalho, ser um paladino level 90 em C++.
      Um ponto interessante é que várias daquelas coisas que aprendemos na escola e que pensamos que nunca mais iriamos usar são usadas nesse tipo de aplicação. Saber se um raio que passa pelo olho do observador e por um pixel da tela também passa por uma das esferas da cena (e se o ponto em que esse raio intersecta essa esfera está sendo iluminado pelas luzes da cena) tem tudo a ver com fórmula de Bhaskara e geometria analítica daquelas mais básicas.
      A parte legal do Raytracer é que depois de pronto, fica bastante ““““fácil”””” fazer mudanças que simulem espelhos, bolas de gude, fumaça, etc. No nosso é possível ver sombras e reflexões (e reflexões das reflexões! Potencialmente enlouquecedor e lindo).

Knuffel!

/* resposta à pergunta do início do texto: não é 3! É infinito. Para cada conjunto de linhas paralelas que se quer representar na imagem, haverá um ponto de fuga associado. Isso foi tão surpreendente pra mim quanto quando eu descobri que o som da agulha arranhando o vinil é a música gravada lá; só fui digerir a informação no dia seguinte à aula. */

Pra cada ponto que a visão do observador atinge é calculada a forma como a luz interage com a matéria e qual a cor resultante naquele pixel (segundo o modelo de iluminação de Phong). Aqui ainda sem reflexões nem sombras.
Essa aqui usa um tipo diferente de modelo matemático para a iluminação (Gooch). A linha preta ao redor dos objetos dá um ar de cartoon, né?
So Long, And Thanks For All The Fish! (duas luzes, modelo 3D de golfinhos, textura da Terra, reflexões a dar com pau: arte)

sexta-feira, 21 de março de 2014

Bicicletas

    Esse blog não se propõe a ser um relato completo do que acontece comigo nesse ano, nem tampouco de ser uma coleção de artigos científicos sobre as características da Holanda, como eu já explicitei no primeiro post. No entanto, nenhum relato (mesmo que incompleto) nem coleção de artigos (mesmo que não-científicos) com o nome de Holandês Voador* poderia se chamar assim se não falasse de algo que, aqui, é tão comum e parte do cotidiano quanto respirar. E esse algo, é claro, são as bicicletas, e não maconha como a mente poluída e mal-intencionada de alguns deve com certeza ter pensado.
    A coisa mais importante a se falar sobre as bicicletas é que elas estão em todo lugar. Mesmo que os holandeses sejam um povo muito pouco religioso, eles acreditam na onipresença das bicicletas, e nisso eu também tenho fé. As ruas daqui de Groningen são todas planejadas levando-se em consideração que há mais bicicletas do que pessoas no país. Isto quer dizer que a exceção aqui são as ruas sem ciclovia; no geral, todas tem.
    Existem milhares de variações em bicicletas, para todos gostos, bolsos e necessidades. Tem as para uso na cidade, as para uso em competições e viagens, para mulheres, para homens, para pessoas com bebês, com cesta, com compartimento de carga, com reboque, com banco extra-confortável, com farol que carrega conforme tu anda, com bolsas atrás, uma infinidade. Tem para diferentes tamanhos de pessoas também, o que aqui na Holanda significa alto, muito alto, extremamente alto e “holandês típico”. Já vi modelos de bicicletas que pareciam ter saído do Need For Speed Underground 2, e uma vez babei em uma bicicleta estilo Harley Davidson, cuja compra, pelo preço, estaria condicionada à retirada de parte do fígado e um rim. Alguns lugares vendem acessórios para disfarçar a ferrugem, e não é incomum encontrar bikes hippies que por baixo de todas as flores são na verdade tétano-bikes.
    Outra coisa que chama atenção das pessoas como eu que cresceram em uma cultura carrocentrista, é que há sinaleiras para bicicletas. Um cruzamento típico de duas ruas grandes vai ter as sinaleiras dos carros, as dos pedestres e as das bicicletas. As sinaleiras das bicicletas em um cruzamento ficam verdes todas ao mesmo tempo; então há pessoas indo do ponto A ao ponto B, do ponto C ao ponto D, do ponto A ao ponto C, etc., às vezes até tem alguém indo do ponto A ao ponto A de novo, porque esqueceu alguma coisa em casa (tão eu). Quem observa de fora simplesmente não consegue entender o que está acontecendo; dezenas de bicicletas se cruzando sem se chocar, é fascinante. Para quem observa de dentro, no entanto, é o caos: toda vez que me vejo nessa situação, sinto como se a qualquer momento eu fosse causar um engavetamento de bicicletas. Isso nunca aconteceu, é claro.
    No entanto já me envolvi em um acidente e um quase acidente. O acidente foi um dia em que eu estava em cima do laço para ir pra aula, e a velocidade em que estava dirigindo a bicicleta estava em ressonância com esse fato. Mal saí da quadra da minha casa, entrando na ciclovia olhei para a direção de onde poderia estar vindo bicicletas, a esquerda, e acelerei porque não vi nenhuma. Porém, da outra direção estava vindo uma mulher e eu só não lhe arrebentei a perna porque freei no ultimo instante. Ainda assim foi uma batida considerável. A mulher já tinha um machucado na perna, e isso agravou um pouco a situação, mas eu lhe ofereci ajuda e esperei até que ela parasse de chorar e todos sobrevivemos ao ocorrido, ela com um roxo e eu aprendendo que não se entra numa ciclovia naquela velocidade.
    O quase acidente aconteceu porque alguns lugares daqui oferecem café. Explico: quando estava saindo de um desses lugares, notei a máquina de café e a palavra universal "gratis". Não pude resistir e peguei um capuccino. Sai dirigindo com uma mão só, a outra segurava o capuccino. Eu poderia argumentar que fiz isso porque estava com pressa ou algo assim... mas não. É só porque eu sou uma besta às vezes. Como estava com as duas mãos ocupadas, não pude fazer sinal para avisar que dobraria à esquerda. O carro atrás de mim, vendo que eu não fiz sinal, imaginou que eu não entraria à esquerda e agiu de acordo, quase passando por cima de mim no momento em que eu fui, sem avisar, pra esquerda. Freio, buzina, e na hora em que eu esperava que o cara fosse me bater (não de carro, me refiro a sopapos mesmo), ele só parou um pouco o carro, perguntou se eu estava bem e pediu para eu tomar cuidado. Até pediu desculpas pelo ocorrido! Eu fiquei em choque. Tanto pelo ocorrido quanto pela polidez extraordinária do cara.
Além da polidez que é comum por aqui, é preciso falar também do preparo físico do pessoal da bicicleta. Imagine a seguinte cena: você está lá, pedalando pela sua vida, contra o vento, a perna reclamando da falta de potássio da sua dieta, quando de repente escuta o sinal da campainha da bicicleta de trás, pedindo passagem. Você dá passagem, é claro, porque você nem sempre é uma besta. Quem te ultrapassa? Uma senhora, idade suficiente para ser sua avó, dando carona para a neta, carregando compras na cesta na frente da bicicleta, segurando uma sacola de compras do Jumbo Supermarkt, passando por cima de seu ego e lhe dando uma lição de humildade. Depois das primeiras passa a doer menos.

  Por muito tempo não entendi o porquê de tanta gente ter uma paixão tão grande por ciclismo e tudo que está relacionado. Agora, no entanto, creio que sentirei grande falta disso quando voltar para a Terra Brasilis. Bicicletas tem lá, mas e as ciclovias e as vovós atletas e os motoristas bem-educados? Não dá pra simplesmente levar na mala.

Fim de tarde no estacionamento do Academy Building. Cadê a minha bicicleta??

Knuffel!

* - Ainda preciso explicar o nome do blog, mas isso fica pra outra hora.