Eu queria escrever sobre várias coisas que eu tenho visto e aprendido aqui, coisas que tivessem alguma utilidade ou que fossem curiosas por si só. Queria escrever sobre o carnaval, sobre a dinâmica de um grupo em que todo mundo é estrangeiro, sobre como é fazer compras por aqui, sobre as festas, sobre as holandesas. Mas às vezes acontecem alguns episódios que não podem deixar de ser compartilhados, e que invertem totalmente a ordem dos assuntos que eu gostaria de abordar. Sábado passado me aconteceu um desses, e hoje vou contar sobre as duas pessoas que eu conheci no Grote Markt.
O Grote Markt é uma praça que fica no centro de Groningen, e é onde estão localizadas a Martinitoren e o Drie Gezusters ("Three Sisters"); o primeiro é uma torre e ponto turístico importante da cidade, o segundo é um bar (que na verdade são três) muito famoso entre os boêmios. Alguns dias da semana tem feira no Grote Markt, e a praça fica muito parecida com o Mercado Público de POA.
Eu não estava muito legal, estava meio pra baixo, saudade de casa e dos amigos. Um pouco de homesickness e muito da minha melancolia usual.
Abre parênteses: quando fazemos uma mudança grande, temos a fantasia (mais ou menos como as de carnaval, mas falo daquele outro tipo de fantasia) de que tudo vai se resolver e tudo vai ser lindo. Não é assim. Onde quer que você for, você vai estar lá. Por isso não é de se espantar que aqui, tanto quanto em Novo Hamburgo, eu ainda tenha meus momentos de frustração e de lago parado (reflexivo e profundo). Fecha parênteses.
Eu tinha que ir ao centro para comprar minha fantasia para a festa do Carnaval de noite (low budget custom: um tapa-olho e uma espada de plástico e está feito o pirata por €2), e resolvi dar uma caminhada ali entre os peixes e frutas e afins a ver se melhorava.
E eis que no meio da confusão de preços e sotaques eu vejo de longe uma cabinezinha de madeira, dentro da qual estavam duas mulheres sorridentes. Uma delas até abanou para mim, eu sorri em resposta e discretamente saí correndo para o outro lado.
Mas aquilo aguçou a minha curiosidade e em menos de cinco minutos eu estava em frente a cabine novamente. Agora eu já conseguia ler a plaquinha pendurada que dizia "Complimentenlokt", algo como "Cabine do Elogio". O diálogo que tivemos foi mais ou menos o seguinte:
Eu: - Olá!
Elas: - Olá! (em holandês)
Eu: - Desculpe, eu não falo holandês.
Elas: - Não tem problema, nós falamos todas as línguas do mundo.
Eu: - Ah, ótimo, eu sou brasileiro, vamos falar em português.
Elas: - Hmm, precisamente português é a única língua que não falamos, pode ser em inglês?
Eu: - É claro.
A essa altura eu já me sentia melhor. É impressionante o que um pouco de contato com outros seres humanos pode fazer ao nosso humor.
Eu: - Então... Como isso funciona? Vocês vão me elogiar ou algo assim?
Mulher 1#: - Ah sim, claro. Lá vai: eu de verdade gosto da sua aparência, o jeito que deixou a barba e como arruma o cabelo. Gosto porque dá para ver que você se cuida.
Eu: - Muito obrigado, não é todo dia que se escuta isso.
Mulher 1#: - De nada.
Isso tudo acontece com sorrisos. Nesse momento eu faço menção de ir embora, mas elas me chamam de volta.
Mulher 2#: - Espera, eu também te dou um elogio. E é o seguinte: quando te vi vindo na nossa direção, era como se eu visse um anjo, muita coisa boa.
Eu não entendi muito bem se ela quis dizer que eu era o anjo ou se eu estava acompanhado por um, mas não importava. Eu agradeci sem palavras, porque nem em português eu saberia como agradecer a algo assim, e saí. Em mais cinco minutos eu voltei e perguntei se poderia dar um abraço nelas, é claro que elas acharam estranho, mas deram. No meio do segundo abraço, uma delas falou "sanduíche!" e me deram um abraço-sanduíche, um dos melhores tratamentos contra melancolia crônica já inventados.
Não vou ser (mais) dramático e dizer que magicamente me senti melhor na hora: isso não existe. Mas de fato meu dia começou a melhorar a partir dessa intervenção inesperada.
Grande parte dos problemas das pessoas se deve ao fato de que não chegamos a tocar emocionalmente as outras pessoas; nos escondemos no nosso individualismo de tal maneira que mesmo o simples ato do elogio gratuito vira algo absolutamente fora do comum.
Eu não acredito em anjos do tipo convencional, mas com certeza acredito que em alguns momentos nós encontramos algumas pessoas que podem ser consideradas anjos. Por enquanto tive sorte, tenho encontrado muitos anjos ao longo da minha vida, e as duas mulheres do Grote Markt são um bom exemplo disso.
Knuffel!
Meu caro maninho, sinta como se eu tivesse participado do abraço de sanduíche. Nunca cruzei o Mampituba para uma experiência desse porte e, aos 28 anos, muito provavelmente não farei isso nesta vida. Acho que meu destino é viver meu gauchismo intrínseco ao passo que observo as pessoas desbravarem o mundo e descobrirem coisas que as tornam melhores enquanto fico tomando chimarrão e vendo a vida passar do meu jeito.
ResponderExcluirSim, estou um pouco melancólico nos últimos dias e consegui entender com perfeição o teu relato. Nem sempre é necessário cruzar um oceano para se sentir sozinho. Mas, com ou sem abraço de sanduíche, a vida segue, amanhã é outro dia e tudo se dissipa, até mesmo o que por um momento pareceu indestrutível.
Grande abraço!
Que texto emocionante! Abs Tânia
ResponderExcluirMe emocionei. Tu tem toda a razão. Algumas palavras agradáveis e um abraço são mágicos. Que bom que tu encontrou essas moças. Espero que esteja bem por aí. Imagino que a saudade deve ser muito grande mesmo, mas não te esquece que tudo passa. Isso também vai passar (se já não passou). Aproveita! Teus amigos e tua família certamente estão te esperando de braços abertos, para quando tu retornar. :)
ResponderExcluirEu não sei, mas ler isso me deu uma coisa boa um arrepio, um nó na garganta e me encheu os olhos d'água.
ResponderExcluirObrigado, então!
Melhor texto até agora, Marcus Marcus.
ResponderExcluirE sim, finalmente criei vergonha na cara e vim ler o blog uauasusahusah
Depois te escrevo com mais opiniões a respeito :)