segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Adaptação

Segundo Darwin, sobrevive o bem adaptado às circunstâncias, e as circunstâncias mudam. Por exemplo a galinha, que por causa da domesticação humana adaptou-se e ficou saborosa.
Quando eu vim para cá, tinha ideia sobre algumas das dificuldades que eu encontraria em ter que lidar com tanta gente nova e com uma cultura totalmente diferente da que eu estava acostumado. Acontece que eu não estava totalmente ciente de uma característica minha, bem relevante quando se tem que ser independente em um país novo, fruto da minha criação de filho único e paparicado: eu não sei cozinhar.
Bom, não é que eu não saiba fazer nada; alguma coisa eu sei fazer na cozinha. No entanto, não se pode viver de torrada com ovos mexidos (por mais maravilhoso que esse prato seja quando eu faço; questão de prática), nem de Pringles ou cookies ou Twix (que são bem baratos aqui). É tudo muito gostoso, mas chega uma hora que ou a espécie evolui ou é extinta.
Por isso parti pra internet em busca de ajuda, e meu amigo Jan Luc, que mora sozinho a mais tempo que eu, me ensinou a fazer frango frito, via Facebook.

Seguem as instruções, como eu as segui:

Ingredientes:

- uma peça de frango (embora frango não seja Lego; aqui, por peça, refiro-me àquele corte em que a coxa e a sobrecoxa vêm juntas);
- três dentes de alho (que pode ser bem difícil de achar no supermercado caso você não se lembre o nome em inglês: é garlic; alternativamente, apele para o seguinte pedido: "onde está aquela coisa, parecida com cebola, mas menor, e que quando uma pessoa come demais fica com mau hálito?");
- uma xícara de arroz;
- óleo;
- sal;
- água.

Instruções:

Ponha numa panela um pouco de óleo, sal e um dente de alho picado. Ponha numa frigideira bastante óleo e os outros dois dentes de alho picados. Leve a primeira panela ao fogo (apenas a primeira, porque convenhamos que tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo é pedir para cagar com tudo). Deixe o alho fritar por um momento e então ponha o arroz na panela. Rapidamente coloque água de forma que fique mais alto do que o arroz, e deixe a panela daquele jeitinho com a tampa em cima mas sem fechar completamente.
Nesse momento, cumprimente a chinesa que acabou de entrar na cozinha e mostre pra ela o que está fazendo. Isso é importante para a receita porque no dia anterior a chinesa riu quando soube que você estava jantando sucrilhos.
Assim que a chinesa voltar para seu quarto, prepare a galinha (na embalagem diz "kippenbout") passando-lhe um pouco de sal. Deixe-a esperando na bancada. Ela não vai se importar porque está morta.
O arroz talvez esteja pronto quando a água secar, mas isso não é 100% garantido. Quando a água seca, o processo volta a ser interativo e você fica provando o arroz; enquanto não estiver pronto, acrescente mais água.
Assim que o arroz estiver pronto, leve a frigideira para o fogão, em fogo baixo porque - repitamos - você não tem tanta experiência assim. Deixe a misturinha fritar um pouco, e em seguida acrescente a peça de galinha já temperada com sal à jacuzzi de óleo fervente. Este momento é crítico: você vai se queimar. Conforme-se.
Como a frigideira é muito grande, você vai ter que segurá-la inclinada de modo que o óleo fique mais fundo e em contato com uma maior porção da superfície da galinha. Você deve torcer para que ninguém entre na cozinha nesse momento, porque o jeito que você segura a frigideira para não se queimar é no mínimo cômico. Vire a galinha de vez em quando, e quando parecer pronto você espera mais um tempo e daí está pronto mesmo.

O resultado é um prato de arroz e galinha frita que ficou quase, mas não totalmente, completamente diferente do que quando a minha mãe faz. O arroz ficou um pouco empapado, porque deveria ter ficado mais tempo no fogo e/ou deveria ter recebido menos água. A galinha até que ficou boa, mas mais por mérito dela e do Darwin do que meu. E mesmo assim, foi uma janta bastante decente e, creio eu, muito boa para uma primeira vez.


"Hmmmmm"
Omhelzing!

Adendo (11/02/2014): refiz a receita, agora passando o alho na galinha e a galinha no trigo antes de fritar, e botando menos água no arroz e o resultado foi beeem mais satisfatório.

6 comentários:

  1. Respostas
    1. No dia do adendo eu comprei um pote de vagem em conserva, e acrescentei no prato. Espetacular!

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  2. Era justamente sobre tudo isso que eu me referia! Experiências novas, muito aprendizado e, claro, o bom humor ímpar que corre nas tuas veias e abrilhanta todo e qualquer relato. Tá perfeito, guri!

    Suerte!

    Abração!

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  3. Haha! Adorei! =]

    P.S.: Pareceu bom, eu comeria. Gosto de arroz empapado. rsrs
    P.S.: Vou tentar fazer tua receita, só não sei onde posso encontrar uma chinesinha.

    Beijão!

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